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3.11.23

Por vezes

Quando uma pessoa já é insegura por todos os traumas e medos que foram ficando ao longo da vida, tende a olhar para tudo o que tem como algo que apenas tem um prazo de validade, o que a faz viver sempre no modo alerta e no modo pânico em quando esse prazo chega. 
Numa relação por exemplo por vezes podes estar nas piores situações e pensar "que se lixe, se me quiser trocar problema seu, se me quiser deixar problema seu" mas no fundo estas a morrer por dentro a espera de algum tipo de reforço e segurança que te acalme um pouco. 
Por vezes até temos do nosso lado pessoas que nos deixam mais inseguras por terem incapacidade de ser maduras e pensar no quanto essas inseguranças nos atormentam e nos fazem mal, por vezes alimentando-as com palavras ou atitudes. 
Por vezes tendemos a pensar se o problema somos nós por sermos inseguros e simplesmente não conseguirmos nos distanciar e pensar "seja o que deus quiser".

Quanto mais intenso, mais se sofre! 

Por vezes só queriamos uma palavra reconfortante que nos desse força para contrariar toda essa insegurança e os pensamentos que nos atormentam, mas isso só funciona se tivermos uma pessoa capaz de perceber e de nos assegurar que podemos largar o modo "fight or fly", e assegurando-nos disso. 
E nesses tantos "por vezes" nos vamos matando e remoendo por dentro, sujeitando-nos até as piores coisas em todos os aspetos da nossa vida. 

" Temos de largar esses medos e inseguranças e dar valor a nós mesmas e ganhar amor próprio " 
Fácil falar não é? Fácil concordar e pensar que isso é o certo, difícil de aplicar isso a nós mesmos não é verdade? 
Pois é, quando se trata dos outros temos sempre bons conselhos a dar, boas perspetivas a partilhar, mas se virarmos o espelho a nós próprios ficamos sem reacção e entramos no modo pânico automático. 

Chega a prender a voz, a suster a respiração, a sugar todo o nosso interior de tanto que é difícil de vermos o nosso lado, de aceitarmos a nossa realidade e de aprender a lidar com isso. 
E somos taxados de inseguros, doidos, needy, tóxicos, ciumentos, quando ninguém percebe a imensa luta que passa dentro do nosso pequeno cofre que está na nossa cabeça. 
Uns de nós revoltam-se e vira tudo o que ninguém esperava, dão uma volta a sua vida e viram totalmente o oposto do que eram! 

Uma batalha ganha para todas essas pessoas que conseguem esse feito.

Agora...

Outros de nós vão perdendo a voz, perdendo a força, perdendo o brilho e a vontade de seja do que for, que infelizmente é a maior parte dos casos. 
Começamos por querer ser mais e melhor, e acabamos a perder-nos pelo caminho. Começamos a cuidar de nós e funciona como uma montanha russa, onde arrancamos com uma força quase sobrenatural e chega a um ponto que com essa mesma força despencamos e deixamos tudo para trás. 
Começamos por fazer planos, vou ao ginásio, vou trabalhar, vou aprender hobbies, vou aprender uma nova vocação e até temos toda a força e vontade para arrancar, e lá vamos nós com todo o brilho no nosso olhar, até que esse brilho se vai apagando, deixamos para amanhã o ginásio, já não temos gosto em trabalhar, os hobbies não temos tempo, as vocações podem esperar pois eu necessito mesmo de descansar, e pouco a pouco voltamos a cama a pensar que já chega, desisto de novo, não aguento mais. 
E é nessas pessoas que vemos as maiores e profundas tristezas, os pedidos de ajuda, a necessidade de ser amados e acolhidos, a necessidade de sentir paz e conseguir ter força para viver. 
Também conseguimos perceber o quão fundo estamos quando perdemos o gosto naquilo que faziamos entusiasmadamente. Quando não conseguimos aguentar 2 horas de filme, quando não conseguimos fazer uma simples tarefa pois não nos conseguimos concentrar, quando estamos a ter qualquer pensamento e do nada "estava a pensar no que?" Ou "estava a dizer o que?". Quando tinhamos tanta força para dizer quero isto ou não quero aquilo e agora simplesmente vamos com a maré por não ter forças para pedir mais ou exigir menos. Quando estamos numa discussão e sentes que tens os teus direitos e os teus sentimentos e queres ser ouvido e queres que as pessoas te entendem e te vejam como realmente és, e te dêem o que tu queres dar e das por ti a perder a voz e a desistir de dizer seja o que for. Quando o melhor momento do dia é aquele em que vais dormir, e na verdade acordas mais esgotado do que antes pois até nos sonhos tens todo o stress, discussões, problemas e principalmente inseguranças que já tens durante o teu dia a dia. 
Como é que alguém tem vontade de viver com toda essa luta consciente e inconsciente 24h por dia? 
E assim, dia a dia, vais esgotando a vontade de viver, conviver, sair de casa, ter algum tipo de intimidade com alguém, comer, tomar banho, ou sequer levantar da cama. E pensas que apenas gostarias que tudo isto acabasse de vez e pudesses apenas não viver mais tudo isto, que na verdade mesmo eliminando seja qual for o problema externo na tua vida, essa luta, traumas, medos e inseguranças são dentro de ti, e é apenas o fator "tu" que tu queres eliminar.
Sim, tudo isso vem de traumas, inseguranças, medos, que infelizmente são aumentados pelas pessoas que temos a nosso lado, pela família que não podemos escolher, pela vida que não muda, e pelo reflexo no espelho que simplesmente não desaparece. 
Se isso tudo existe dentro de nós, como será quando as pessoas com quem nos relacionamos aumentam tudo isso? 
Sufocante, desesperador, chega a um ponto de existir todo um trauma tão grande que existe toda uma desassociacao da realidade, em que parece que simplesmente vivemos num corpo oco, esta vida não pode ser nossa, o nosso corpo não é mais reconhecido como nosso, perdas de memória súbitas em que algo que foi dito ou ouvido há meros minutos atrás já não sabes mais o que foi, em que conversas e discussões se apagam da tua memória em questões de segundos e por vezes somos magoados mas nem nos lembramos mais o porque, em que olhamos no espelho e não gostamos do que vemos pois já nem conhecemos o reflexo que nos é passado pelo espelho. E isso vai matando tudo em ti, os teus sentimentos, a tua alegria, o teu carinho, a tristeza, a entrega, o amor, a dedicação. Em que chega a um dia que dás por ti e não sabes mais como dar carinho a alguém, como sorrir, como ser uma boa companhia, como ter uma boa conversa, como dar amor, atenção, como estar presente, como entender as necessidades de outra pessoa, como fazer seja o que for, tu desaprendes isso tudo até seres basicamente uma embalagem vazia, completamente vazia e sem saber o que aconteceu.
E é exatamente aí que perdes a vontade de viver, onde muitos simplesmente desistem e outros tantos apenas existem num recipiente vazio a que chamamos corpo. 
E ninguém, absolutamente ninguém sem alguma vez ter passado por isso conseguirá entender sequer o que todas estas minhas palavras significam, apenas quem carrega o peso delas e apenas essas sabem o quanto isso nos mata. 
E o quanto me matou.
A pessoa que eu era, não existe mais, não sei mais quem sou, e não tenho qualquer vontade de saber, apesar de todos os traumas medos e inseguranças eu sempre me dediquei de coração a quem tivesse do meu lado porque a última coisa que eu queria era ser abandonada, trocada ou seja o que for, e de não saber lidar com todos esses traumas, e em ter o que me rodeia a aumentar esses mesmos, e por falta de compreensão de quem quis ao meu lado, fui morrendo por dentro. 
Atualmente sinto-me vazia, tenho medo de ser abandonada ou trocada pela pessoa que amo, quero ser mais e não sei ser mais, tudo o que sei dou e nunca sou o suficiente, quero controlar tudo para evitar que algo de fora destrua o resto daquilo que eu penso ter, mesmo sabendo que quase que não tenho nada, continuo a viver no pânico constantemente. Vivo aterrorizada acordada e a dormir. Não sei lidar com nada, só sei que estou esgotada, aterrorizada, amedrontada, e vazia, completamente vazia.
E por vezes é tudo isso e mais ainda, que nos faz implorar por desaparecer.